MARREQUINHO – O
MENINO DE CAMPO FORMOSO
Memórias de um artista sertanejo
Capítulo XXVI
A DECISÃO
(1969/1970)
Vivi
um período muito difícil. Desencantado com a arte, desmotivado e indeciso
quanto ao rumo que daria à minha vida, dali pra frente. Estava com 29 anos, sem
emprego, sem rendas, a não ser o pinga-pinga dos direitos autorais. Não era o
suficiente para garantir tranquilidade. Em matéria de finanças, eu estava no
mato sem cachorro. A fama alimenta o ego, mas, não enche barriga, a menos que
se faça uso do prestígio advindo dela (da fama) para realizações que produzam
resultados concretos. Reconheço que fui um péssimo administrador da minha
suposta fama. Então, resolvi fazer um balanço, para analisar as consequências
das minhas atividades artísticas até aquela data. O resultado foi desanimador.
Precisava fazer alguma coisa, mas, não sabia o que.
Eu
não havia notado o tempo passar. Muitas coisas aconteceram, e eu não percebi. A
minha Campininha já não era a mesma, Goiânia tinha se tornado uma cidade de
porte médio, e, Brasília estava consolidada em pleno Planalto Central.
Tudo havia se desenvolvido, crescido, evoluído, menos eu. Precisava tomar uma
decisão. E tomei.
Acho
que, levado mais pelas circunstâncias do que pela vontade própria, pela
primeira vez em minha vida eu tive coragem de encarar a realidade, de frente.
Francamente, não gostei do que vi, mas, serviu para me alertar sobre, a
inutilidade de se perseguir miragens, que se afastam, sempre que delas
procuramos nos aproximar. Eu estivera fazendo exatamente isso, por mais de 12
anos. Correndo atrás de fantasias. Já era hora de parar.
Eu
havia criado oportunidades para muita gente do meio artístico, e a violeirada
não me dava trégua. Eu os considerava, a todos, meus amigos leais, e me sentia
muito orgulhoso com isso. Mas, a maioria deles cultivava a minha amizade, não
por respeito a minha pessoa, mas, para tirar proveito do meu prestígio de
compositor. Isso ficou provado quando enfrentei o revés. No momento difícil,
poucos, muito poucos permaneceram ao meu lado, pra me oferecerem pelo menos uma
palavra amiga. Foi aí que descobri que existem AMIGOS e "amigos".
Os irmãos estavam
casados e cada um deles arranhava a vida para sustentar sua própria família.
Solteiros, estava eu e a irmã caçula, Iolanda. Cabia a mim e a ela, assumir a
responsabilidade pela nossa mãe, que com o rosto enrugado e o andar vacilante,
já demonstrava cansaço pelos 74 anos vividos, e sofridos. Iolanda
era mãe solteira. Tinha um filho, que na época a que me refiro, estava com uns
três ou quatro anos de idade. O pai havia sumido. Passados dezoito anos,
reapareceu supostamente corroído pelo remorso, e talvez com o peso do
arrependimento esmagando sua consciência. Propôs-se a "arrumar" a
situação reconhecendo o filho que ele um dia havia renegado. Foi secamente
dispensado, pela mãe e pelo filho, e novamente desapareceu.
Aquele
menino, o André Luiz, ocupou no meu coração e na minha alma o lugar que mais
tarde seria também ocupado pelos meus filhos biológicos.
Acervo Pessoal
André Luiz de Souza aos três anos de idade
Iolanda
foi uma mãe extraordinária. Viveu toda a sua vida, exclusivamente em função do
filho. Ela não podia trabalhar fora. O filho pequeno, e a nossa mãe, doente,
requeriam sua atenção em período integral. Eu é que teria que ser o arrimo de
família. E foi por isso que me senti obrigado a tomar a tal decisão. Cheguei à
conclusão de que apesar de ser tratado como um semideus, na realidade eu era
apenas um semi-nada. Então, com muita humildade, pedi a Deus que me mostrasse
um caminho e, ele bondosamente me mostrou.
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