quinta-feira, 13 de setembro de 2012

JAGUNÇO – MEU AMIGO CACHORRO * - 2ª Parte

FATO VERÍDICO


Marrequinho
  
Conclusão

 


Um dos meus filhos pequenos sugeriu: Papai, vamos ficar com ele pra nós? Minha filha de oito anos de idade perguntou-me: Como se chama esse cachorro? Respondi que não podíamos ficar com ele, porque ele certamente pertencia a alguém que morava nas imediações da nossa residência, e à minha menina respondi que não sabia o nome dele. Mas, para não nos referirmos a ele simplesmente como, “Esse cachorro”, ou, “Esse cão”, resolvemos “batizá-lo” com algum nome provisório até que descobríssemos o seu dono, quando então, saberíamos o nome verdadeiro dele. As sugestões foram as mais variadas: Leão, Gigante, Dog, Golias, Mosqueteiro, Fiel, Feroz e uma infinidade de nomes dos quais não me lembro mais. Nenhum dos nomes sugeridos parecia estar condizente com ele. Aí me lembrei de um enorme cachorro que tínhamos quando eu era ainda criança e morávamos na roça, e se chamava: Jagunço. Pronunciei o nome numa entonação de comando e, acreditem ou não, nosso cão sem nome, como que atendendo ao meu chamado levantou a enorme cabeça e me olhou fixamente, como que aprovando o nome. Ou talvez esse fosse realmente o seu nome, não sei. Mas, aí, para nós ele já tinha uma identidade, chamava-se: JAGUNÇO.
Durante uns quinze dias ele “acampou” em nossa casa como se fosse o dono dela. Dormia na área, que servia também de garagem para o meu “possante” Chevette ano 1977. Colocamos lá um velho carpete onde ele se aninhava tranquilamente para passar a noite. Quando de manhã eu abria a porta da cozinha, já dava de cara com ele, que demonstrava grande alegria abanando sua longa cauda como se fosse um espanador. E fazia a mesma festa com a  minha esposa e nossas crianças. Jagunço era um cachorro de paz. Não estranhava ninguém. Quando recebíamos alguma visita ele se mostrava tão hospitaleiro e tão alegre que em alguns casos, dependendo de quem fosse a visita, o cachorro superava a nossa própria alegria. As únicas vezes que o ouvíamos latir furiosamente, era quando o gato de uma vizinha se atrevia a fazer uma incursão em nosso quintal. Aí sim, Jagunço desempenhava bem o seu papel de cachorro. E em nome da tradicional rivalidade entre caninos e felinos sempre dava uma bela carreira no aventureiro bichano, que azulava, de volta para sua casa.
Após o almoço eu gostava de me sentar em uma mureta baixinha que circundava a nossa área de serviço. Jagunço, sempre que me via sentado naquele lugar, se aproximava de mansinho e docilmente apoiava seu enorme focinho em meus joelhos, quando eu então alisava sua cabeça. Ele fechava os olhos, se acomodava ali e cochilava até que o mandasse sair.
Uma tarde ao voltar do trabalho, Jagunço não foi ao meu encontro no portão, como era de costume. Minha esposa me disse que percebera o cachorro se portando de maneira estranha, inquieto e sempre olhando para o portão fechado, como se aquilo o incomodasse. Ela então abrira o portão, o cão lentamente caminhou para fora, ficou parado por alguns minutos, e depois seguiu lentamente pela rua até se perder na distância. Sentiu saudade de seus donos, e certamente resolvera voltar pra casa, pensei. Realmente ele permaneceu por uns três ou quatro meses no lugar onde quer que seja que tenha ido. Sentimos a falta dele, mas ficamos tranquilos quanto ao seu destino. Certamente estaria sendo bem tratado e protegido contra os condutores da “carrocinha” que de vez em quando passava pelo nosso Setor, laçando e levando (Pra onde não sei) cães “sem dono” que vagavam pelas ruas.
Um dia de domingo estávamos almoçando quando ouvimos algo ou alguém arranhando insistentemente o nosso portão. Intrigado e até um pouco nervoso fui ver do que ou de quem se tratava. Pensei em dar-lhe uma bronca, porque havíamos pintado recentemente o portão e pelo som que o metalon emitia, com certeza estaria sendo todo riscado. Abri de chofre o portão e só não fui jogado ao chão porque me esquivei, quando o velho amigo Jagunço se atirou sobre mim, literalmente, como que querendo me abraçar. Andou a minha volta, procurava lamber meus pés, choramingava e me olhava como se quisesse me dizer algo muito importante. Fiquei verdadeiramente comovido com a demonstração de gratidão de um irracional, procedimento que a gente raramente vê nos que são chamados de racionais. Jagunço era só alegria, quando entrou casa adentro repetindo sua demonstração de contentamento ao ver minha esposa e nossas crianças. O cachorro estivera amarrado, pois, trazia no pescoço, com um nó corrediço um pedaço de corda de sisal que havia se rompido e ele arrastava uns dois metros dela, atrás de si. Retirei a corda que o incomodava e fazia com que ele levasse um safanão todas as vezes que pisava na ponta dela. Daquela vez ele ficou lá em casa somente dois dias e novamente voltou para junto dos seus legítimos donos. Foi a última vez que o vi, com vida. Alguns meses depois, numa tarde ao voltar do trabalho, me deparei com uma porção de gente aglomerada no meio da rua observando alguma coisa. Acidente pensei. Certamente algum atropelamento. Parei o carro e desci para ver o que havia acontecido. Um guincho da Prefeitura Municipal, solicitado pelo Departamento de Vigilância Sanitária ou, do Serviço de Zoonose estava içando um enorme cão que havia sido atropelado por um ônibus. Estava morto. Era o Jagunço, meu amigo cachorro. O atropelamento ocorreu na Avenida principal do Setor, na esquina com a rua em que nós moramos. Estou convicto de que mais uma vez ele estava se dirigindo para o nosso endereço, para nos visitar. Infelizmente, daquela vez não conseguiu chegar lá.

Depois de haver conhecido o Jagunço estou convicto de que chamar alguém de cachorro, não é fazer-lhe uma ofensa e sim, tecer-lhe um elogio.


Fim 

* Ilustração: Cão deitado – Bico de pena – COSTA ARAÚJO

















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