MEMÓRIAS
DE UM ARTISTA SERTANEJO
CAPÍTULO XI
Marreco
e Marrequinho Gravam na RCA VICTOR
Em 1958. Eu, ainda Braizito, frequentava a pensão da dona Brasilina
(Reduto dos Violeiros de Goiás), e cantava com um e com outro, aqui e ali, para
tentar aliviar as dificuldades financeiras. Manter o próprio sustento, com a
viola, não era coisa fácil. Era uma tarefa difícil. O recurso que eu tinha era
apelar para a formação de duplas improvisadas, e conseguir convencer os donos
de parques de diversão a nos pagar um irrisório “cachê” para que cantássemos
ali no palco que era montado na parte de cima de onde funcionava a bilheteria.
Lembro-me que cantei, algumas vezes, até com o Zé do Carro (da dupla, “Palmito
e Zé do Carro”), segunda voz tão grave quanto a minha e os recursos financeiros
tão minguados quanto os meus. Era uma graça, vê-lo fazendo a primeira voz. Mas,
nos virávamos, e, conseguíamos desencavar alguns trocados. O tempo passava, a
minha vocação pela arte, não. Havia em mim, ferrenha determinação e inabalável
esperança de vencer, cantando. Foi quando conheci José Onofre Leite, o
"Marreco", que havia se separado do "Sapezinho", com quem
cantara por algum tempo, e estava “caçando” parceiro. Formamos dupla. Larguei o
apelido de Braizito e fui “batizado” com o diminutivo de Marreco. A sorte
estava lançada; surgia no cenário artístico Goiano, a Dupla do Momento: “Marreco e
Marrequinho”.
Acervo Pessoal
Marreco & Marrequinho
(1.958)
Marreco tinha uma primeira voz razoável. Timbre até bonito, mas o seu
poder de retenção era um pouco limitado, o que fazia com que tivesse uma
dificuldade danada para decorar as modas. Levamos algum tempo para formar um
repertório com o qual pudéssemos nos apresentar em público. Além disso,
era pouco propenso a aceitar os aperfeiçoamentos que a música sertaneja estava
tentando alcançar. Trouxe com ele, quando veio do interior, a música caipira
formatada em sua mente com pronúncias incorretas, das quais ele jamais
conseguiu se livrar. Planalto, ele pronunciava "pranarto". Com muita
peleja, consegui fazer com que ele melhorasse um pouco. Só um pouco, porque ele
só conseguiu melhorar a pronúncia, para "planarto". Coisas assim.
Mas, apesar da sua pouca instrução, ele tinha inegáveis qualidades. Era muito
comunicativo, brincalhão mesmo, tinha boa aparência, detalhe valioso para quem
se apresenta em público, e, com tudo isso a seu favor, ainda conseguia um feito
que me surpreendia. Conseguia ganhar dinheiro, cantando músicas sertanejas, em Goiás. Marreco era
filho de fazendeiro. Foi nascido e criado na roça. (Fazenda Curralinho)
município de Itaberaí-Go. Conhecia, na prática, os costumes do sertão. Isso
facilitava seu entrosamento com pessoas que tinham a mesma origem. Nas festas
de fazendas em várias regiões do Estado de Goiás, Marreco e Marrequinho (A
Dupla do Momento) era presença obrigatória. O fazendeiro, vaidoso, querendo
mostrar prestígio junto aos convidados, encomendava uma moda ‘’fabricada’’
especialmente para a ocasião. Cabia a mim, atender essa encomenda. Era coisa
simples. Geralmente moda de viola, que
era complementada, quase sempre com uma dança de catira, executada por
catireiros da região, especialmente convidados para o evento, que conseguia
grande repercussão. Eu respondia pelo segmento artístico da dupla. O Marreco
administrava a área financeira. Até aí, não tínhamos gravado discos. Mas
mantínhamos um programa na Rádio clube de Goiânia (a pioneira), chamado Momento
Sertanejo. O programa ia ao ar de segunda a sábado, das nove as nove e trinta
da manhã. Nós nos apresentávamos nas
terças, nas quintas e nos sábados. Segunda, quarta e sexta, eram de
responsabilidade da dupla, Sapezinho e Ditinho e posteriormente, do Trio
Enamorado (Colibri, Ninão & Nhozinho). Tempos depois, fizemos um programa
também na Rádio Clube, no horário de meio dia ao meio dia e meia. Esse programa
foi lançado pelo Fernando Santiago, mineiro, de Ituiutaba, excelente
apresentador. Após algum tempo voltou para Minas Gerais e nunca mais ouvi falar
nele. “As duplas e Trios sertanejos de Goiás, também faturavam de vez em
quando, nas barracas de festas de Igrejas, para dar uma força na ‘‘arrastada”
de gente que ali comparecia para prestigiar as "festas dos padres",
como nós as chamávamos, e deixar algum ‘’cobre’’ nas barraquinhas da pescaria,
dos bingos, dos refrigerantes, etc. Dali, sempre levávamos alguma ‘’ajuda de
custo’’. Quase nunca havia contrato assinado. Era tudo na base da confiança.
Nessas alturas, começamos a sentir necessidade de gravar um disco. E
como a maioria dos artistas, compunha suas próprias músicas, que por aqui ainda
não tinha surgido compositores que produzissem em escala que atendesse a
demanda, eu, que sentia uma estranha necessidade de por no papel, versos e trovas
que até hoje não sei de onde vem, qual rajada de vento que me atinge de
repente, resolvi começar a escrever algumas músicas que pudessem futuramente
fazer parte do repertório da nossa dupla. Minha primeira composição, um cururu,
chamado NOSSA VERDADE, está no primeiro
disco de Marreco e Marrequinho, gravado na RCA VICTOR. Dei parceria para o Marreco, para divulgar ainda mais o nome da dupla,
e, entrou de ‘’garupa’’, o Piracy, que se aproveitando da ingenuidade dos dois
mocorongos de Goiás, disse que se tivesse o nome dele na música, os
programadores de rádio mostrariam maior interesse em rodar o disco. Oportunismo
de garupeiros que existiam e existem até hoje, no meio artístico, infelizmente.
Na outra face do ‘’78’ está um tango, chamado PASSADO
DE UM BOÊMIO, composição minha parceria com Sapezinho e Ditinho. Essa
gravação foi acompanhada por um dos sanfoneiros de maior prestígio no rádio
brasileiro, de todos os tempos, Mário Zan. Fomos parar lá naquele selo tão
importante, graças ao apoio do nosso querido saudoso amigo Goiá. Na RCA, Marreco e
Marrequinho gravaram mais dois discos, também 78 R.P.M. TEMPO DE CARREIRO, cururu, composição do Marreco,
e TORTURA
DO REMORSO, tango, de minha autoria. PARAGUAIA DA FRONTEIRA, Polca
Paraguaia, de Goiá e Zilo, e ESTRADA DA AMARGURA, tango, de minha autoria em parceria com o
Aldegundes, um compadre meu, lá de Avelinópolis (GO) Esses dois discos tiveram
o acompanhamento do exímio sanfoneiro Nardeli, do trio “Nenete, Dorinho &
Nardeli”
Éramos muito bem relacionados no meio político de Goiás. Nas épocas de
campanha, éramos sempre incluídos como atração nos comícios dos candidatos a
cargos eletivos. Os "cachês" variavam, de acordo com o potencial
financeiro do candidato. Levávamos alguns "canos", é verdade, mas
vivíamos situações gratificantes também. Tivemos a honra e o privilégio de ter
participado da campanha do EX-PRESIDENTE Juscelino Kubistchek
de Oliveira (J.K.) quando de sua candidatura a Senador, por Goiás.
Sempre tive profunda admiração e respeito por aquele que foi um dos maiores
estadistas brasileiros, de todos os tempos. Estivemos com ele, em inúmeras
ocasiões e até viajamos no mesmo carro e hospedamos no mesmo apartamento de
hotel nas cidades onde aconteceriam os comícios. J.K. era chegado numa moda de
viola. O homem era mineiro, uai.
A dupla “Marreco e Marrequinho” foi desfeita em 1.961. Um político
amigo nosso, ofereceu ao Marreco um emprego na Assembleia Legislativa do Estado
de Goiás, e, ele aceitou, é claro.
Marrequinho – Marreco, no lançamento do
livro “Marrequinho = O Menino de Campo Formoso”, na residência do escritor
Bariani Ortencio em agosto de 2010.
Leia os Capítulos anteriores postados neste Blog
Contato com Marrequinho:
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