Marrequinho – O Menino de Campo Formoso
Memórias de um artista sertanejo.
Capítulo XL
A Casa Inacabada
O que fizemos foi uma
temeridade, mas tinha que ser feito. Encerramos as atividades no barzinho,
vendemos mesas, freezer e vasilhame, devolvemos a forma original ao barraco
onde morávamos, encaixotamos nossos poucos pertences, e entregando nossos
destinos nas mãos de Deus, no dia 17 de novembro de 1.995, nos mudamos para o
nosso "palácio", nossa casa inacabada, no Jardim Primavera.
Resolvemos o problema de
onde morar. Mas persistia o dilema, íamos viver de que? Novamente a coragem, a
garra, a determinação e a persistência de minha esposa, a companheira que me
ajudou a enfrentar tantos percalços foram fatores decisivos na continuidade da
nossa saga. Ela voltou a trabalhar de empregada doméstica. De segunda a
sexta-feira, cinco horas da manhã, se levantava para enfrentar três ônibus
superlotados para chegar ao emprego às sete horas, lá permanecendo até às
dezessete horas, quando empreendia o regresso ao lar, aonde só chegava lá pelas
dezenove horas. Resignadamente, encarou essa labuta, por quase três anos.
O trabalho honesto, por
mais simples que seja nunca humilha, ao contrário, dignifica aquele que o
pratica. Da minha parte, pressionado pelas circunstancias, agi contra os meus
princípios, adquirindo uma meia dúzia de taipes, nos quais fazia reprodução das
gravações de músicas minhas, em fitas cassete. Eram músicas que fazia muito
tempo que estavam fora do catálogo de vendas das gravadoras que as haviam
lançado. Muitas dessas gravadoras, já nem existiam mais. Então eu repassava
essas fitas para vendedores ambulantes, os chamados "pasteiros". Não
era legal, nem ético, mas eu me apoiei no conceito de que os fins justificam os
meios. Quanto aos intérpretes dessas músicas, acho que até os beneficiei
mantendo seus nomes em evidência, evitando que caíssem de vez no esquecimento
do público.
Seria minha visão,
destorcida, da realidade dos fatos? Talvez. Mas foi a única maneira que
encontrei de produzir recursos para o sustento da minha gente. Vivemos um
período de pobreza, não de penúria. Éramos uma família, tínhamos uma casa
(inacabada), tínhamos um lar, onde imperava a harmonia, onde reinava a paz.
Éramos felizes. Nunca permitimos que o desânimo, a desesperança ou o pessimismo
tomassem conta de nossas mentes. Pelo contrário, mantivemos sempre pensamentos
elevados, de fé e de confiança, de que Deus, em sua infinita bondade, haveria
de nos direcionar e nos dar forças e perseverança, para mantermos fé inabalável
de que Ele nos mostraria a maneira de vivermos dias melhores.
Recebíamos visitas
constantes, dos antigos companheiros do meu tempo de "artista".
Punham-me a par do que estava acontecendo no meio artístico, falávamos sobre os
rumos que a música sertaneja havia tomado, e do quanto era diferente, no
"nosso tempo". Só para se ter uma ideia, lá pelo ano de 1.958, quando
gravei meu primeiro disco (78 rpm) com o Marreco, nossa vendagem atingiu um
número bem satisfatório para a gravadora: Quatro Mil e Quatrocentas e Oitenta
Cópias. Vendagem tão boa, que fomos contratados para gravar mais dois discos.
Agora, campeões de venda
de discos (CDs) gravados falam em Três Milhões de cópias vendidas.
É! O mundo gira, o tempo
passa, as coisas mudam, e a vida continua, até que um dia passa também. Mas,
tudo nessa vida, tem a sua hora certa para acontecer.
Assim, depois de
morarmos por três anos na nossa casa inacabada, em verdadeira calmaria, o vento
finalmente começou a soprar a nosso favor. Era a bonança chegando, após um
prolongado mormaço.
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Campo Formoso” (Memórias de um artista sertanejo)
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