MARREQUINHO – O
MENINO DE CAMPO FORMOSO
Memórias de um
artista sertanejo
Capítulo
XXXIV
Elisângela:
A Moça de Itapaci *
A
vida do ser humano é movimento constante, mutação permanente. Não poderia ser
de outra forma, senão a estagnação seria inevitável, e, isso seria insuportável.
Eu
estava tendo dificuldades em conviver com a realidade dos meus quarenta anos de
idade. Sentia-me só. Só e triste. Quase todos os companheiros de trabalho, meus
colegas caminhoneiros, eram casados, e quando voltavam das longas viagens que
faziam, era natural que quisessem estar com suas respectivas famílias, seu
grupo familiar formado por esposa e filhos. Dos antigos companheiros de viola,
alguns haviam morrido. Outros se casaram e renunciaram ás pretensões
artísticas. Outros ainda, haviam se mudado para longe daqui, em busca de novos
ideais. Minha vida estava sem graça. Vazia. Dada a minha sensibilidade, eu
sentia imensa falta da compreensão de alguém que pudesse compartilhar comigo os
meus sonhos, meus anseios e minhas esperanças. Alguém com quem eu pudesse
manter um vínculo permanente de confiança, de companheirismo, e, que tivesse os
mesmos ideais que eu, no sentido de formar uma família, um lar, onde reinasse a
harmonia, a paz. Nessa época escrevi a letra da música “SONHO DE ESPERANÇA” que
foi musicada pelo Odaés Rosa e gravada por “Creone e Barreirito”. A primeira
estrofe diz assim: “Um sorriso de criança / Um perfume de mulher / Numa casinha modesta
/ É tudo o que a gente quer / Mas neste pequeno sonho / Tamanha beleza existe /
Que nunca passa de sonho / No desespero de um triste”... Até
a data a que me refiro, isso tinha sido realmente apenas um sonho. E, a minha
alma carente de afeto estava cobrando uma providência para que aquele sonho
fosse transformado numa realidade. Comecei a pensar seriamente, no assunto.
Então, casualmente (será?), conheci aquela que seria a minha esposa. A moça de
Itapaci (GO). Se aquele encontro foi provocado pelo acaso ou pelo destino, eu
não sei. Só sei que quando fomos apresentados, conversamos um pouco sobre
banalidades, mas, disfarçadamente analisamos, ou, avaliamos um ao outro. E ao
que parece, nenhum de nós se decepcionou com o resultado obtido no pequeno
espaço de tempo que estivemos juntos naquele dia, em companhia de amigos
comuns, que comemoravam alguma coisa, sei lá o que. A guria era uma linda
mulher. Um pouco nova, pra mim, e, um bocado arrogante, pensei. Mesmo assim,
iniciou-se um vínculo de amizade e de confiança, entre nós, apesar de, no
início, a coisa não ter sido muito fácil, não. Eu estava acostumado a ser
paparicado, luxado e sempre tratado de maneira muito especial, pela minha
condição de compositor famoso. Embora um pouquinho "maduro", tinha
boa aparência física e estava razoavelmente bem, em matéria de finanças. Ela, a
florzinha interiorana, era um "pitéu" de mulher. Estava com vinte
anos de idade. Essa diferença de idade (20 anos), na época não nos pareceu ser
entrave para um bom relacionamento. Porém, mais tarde isso contribuiu para que
surgisse uma série de desacertos entre nós.
Mas,
daquele encontro não programado, surgiu uma aproximação não planejada, que nos
incentivou a tentar uma união, gerada por mútuos interesses. Eu, com quarenta
anos, estava cansado de conviver com mulheres aventureiras, oportunistas que
viam em mim apenas um ponto de apoio aonde vinham escorar suas frustrações.
Ela, apesar da pouca idade, já havia passado pela contrariedade de algumas
experiências amorosas de resultados ruins. Nada tínhamos a perder. Éramos
náufragos tentando encontrar uma tábua de salvação que pudesse nos proporcionar
sustentação, para que conseguíssemos nos manter à tona.
Por
algum tempo mantivemos um relacionamento íntimo, mas, discreto. Tentávamos
descobrir, se havia entre nós, afinidades, com as quais pudéssemos alimentar
pretensões de uma união duradoura. Não descobrimos nada, e, para encurtar a
história, simplesmente obedecemos às regras que regem o procedimento dos bem
intencionados, e, nos casamos, no dia 30 de agosto
de 1983.
Deus,
em sua infinita misericórdia nos concedeu a benção de três filhos, que
significam, para mim (e para ela, eu sei) o patrimônio mais valioso que
poderíamos ter adquirido, através dessa nossa jornada terrena. Mais um dos meus
sonhos se realizou. À minha maneira, eu amei aquela mulher. Amei muito. Vivia
para ela e para os nossos filhos. Mas, a forma com que eu demonstrava o meu
amor e o que eu sentia por ela, certamente não era a forma que ela esperava,
desejava e merecia ser amada. Descobrimos incompatibilidade de gênios, surgiram
conflitos emocionais, e, uma série de acontecimentos, que não vem ao caso, até
que após nove anos de casamento, nos separamos. Ou melhor, dizendo, ela se
separou de mim. Houve acordo. Ela assumiu a guarda dos nossos pequenos (o que
me doeu demais), fizemos doação, a eles, do patrimônio imobiliário que
possuíamos e, ela ficou com o direito de uso-fruto do imóvel.
Acervo pessoal
Francisco
Júnior Pollyanna Souza Henrique
Sentindo
na alma, o peso da desilusão, do fracasso e da desesperança, fui obrigado a me afastar
de tudo o que dava sentido à minha vida. Meus filhos, minha esposa e meu lar.
Sozinho, outra vez. Caminhando sem saber pra onde, pra quem e pra que. Mas, eu
não me sentia no direito de sucumbir. Tinha que prosseguir, aceitando com
resignação o meu sofrimento e as minhas provas, demonstrando a Deus, e ao
mundo, que o meu positivismo, a minha crença, as minhas palavras de fé, não
eram apenas palavras. Era (e é) a minha real prática de vida. Mas, até hoje,
carrego o peso da frustração de não ter tido o direito de estar presente,
acompanhando parte da infância e da adolescência dos meus filhos.
* Acervo: Elisângela Aparecida de Souza
(Publicação autorizada)
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