Tese de Formatura. Curso de História. UFG.
Francisco Ricardo de Souza Jr
(Chico Jr)
6ª PARTE
Para entender o surgimento da primeira
emissora de rádio em Goiás é necessário verificar inicialmente o contexto
brasileiro. A chegada do rádio ao estado advém principalmente das políticas do
governo federal dessa época.
O foco do Estado nacional, nesse
período, era integrar o território brasileiro para atender às necessidades
expansionistas do capitalismo e a ordem era facilitar o desenvolvimento das indústrias
no interior do Brasil. Nesse ponto, a construção de Brasília foi um fator
determinante para Goiás entrar no mapa do desenvolvimento urbano e industrial
nacional.
Dessa forma, as intenções do governo federal
logo se fizeram sentir em Goiás, que conseguiu se desenvolver, mas precisou de
força de trabalho de outros estados e países e com isso foram surgindo centros
urbanos, formados por migrantes em várias regiões do estado.
A função do rádio, do ponto de vista
estatal, era contribuir à sua maneira, para a formação da opinião pública, de
um ambiente propício à efetivação dos interesses do Estado nacional. Então, em
1942 surgiu a primeira emissora de rádio de Goiás.
Nesse período, a mentalidade que tomava a
cabeça de grande parte dos brasileiros era a de que estávamos muito próximos de
nos tornarmos uma nação moderna.
Na consciência social da população formou-se
uma imagem de progresso como sendo uma forma de estilo, de consumo e de vida.
Nesse período, a música caipira também se dirige ao meio urbano. Acompanhando o
progresso da nação, ela adquiria novas características, abandonando gradativamente
os temas rurais e falando mais da vida na cidade grande, do êxodo e as
dificuldades de adaptação do sertanejo.
A
música sertaneja nesta época estava em sua fase de ouro. Segundo Nepomuceno, no
apogeu dos programas de auditório (década de 50), a música sertaneja viveu seu
período de glória. Gravadoras como a Columbia, Continental, Todamérica e a
Chantecler estavam dispostas a por no mercado duplas que lhe rendessem
vultuosos faturamentos. (BRITO, 2005, p. 10)
A Rádio Clube de Goiânia foi a
primeira emissora de rádio do estado, cuja concessão foi dada por Getúlio
Vargas. A programação recebeu uma tonalidade regional e semanalmente apresentava
um programa destinado à música sertaneja, programa esse que reforçava a
sociedade local, apresentando seus costumes e suas músicas – era a Hora
Sertaneja.
A
programação desta emissora recebeu uma tonalidade regional de forma que a
cultura regional fosse determinante na comunicação veiculada. As músicas locais
passaram a ser divulgadas na emissora, assim como cantores da região que
apresentavam suas músicas ao vivo em programas de auditório; causos, piadas e
novelas, veiculadas pelas principais emissoras do país (Rádio Nacional e Rádio
Tupi) foram adaptadas à cultura goiana para serem veiculadas pela emissora;
enfim, o seu perfil foi, de certa forma, adequado ao cotidiano de Goiás. Isso
acabava criando no ouvinte uma sensação de afinidade com a emissora, o que,
conseqüentemente, o atraia para ouvi-la constantemente. (MARQUES, p. 22)
Marques
corrobora o texto de Marrequinho quando nos apresenta a informação de que cantores
da região apresentavam sua música ao vivo em programas de auditório.
Assim, foi pelas ondas do rádio que os
cantores goianos receberam o impulso que precisavam. Após a fundação da
emissora, surgiram também as primeiras gravações, que Marrequinho acredita terem
ocorrido entre 1955 e 1957. Percebemos assim que o rádio foi o impulso
comercial que a música sertaneja goiana necessitava para atravessar as
fronteiras do estado. Como Marrequinho mesmo diz em entrevista: “As emissoras é
que eram o veículo que levavam esse trabalho até o público”.
O advento da rádio proporcionou a criação de
um sentimento de união entre os cantores sertanejos que começaram a se
organizar, tendo até, segundo Marrequinho uma associação fundada por Jorge Batista Ribeiro, conhecido no
cenário artístico goiano como Zé Micuim.
Zé Micuim era um
idealista extremado. Foi o idealizador da fundação de uma entidade de classe
que foi denominada ‘União dos Artistas
Sertanejos de Goiás’ (U.A.S.G.) Foi fundada no dia 07/01/58. A primeira, no
Brasil (Fui sócio fundador e presidente dessa entidade, por dois mandatos,
1960/1961). (p. 15)
Sua iniciação, como diz Marrequinho, “na confraria dos que queriam se tornar
profissionais da viola” se deu com 17
anos, no bairro de Campinas, mais precisamente na Pensão da Dona Brasilina, com
um violeiro cantador vindo de Minas Gerais, conhecido como Brazão, surgindo
assim no cenário da musica sertaneja de Goiás a dupla Brazão e Braisito. Com essa dupla Marrequinho teve sua estréia no
rádio, um programa de auditório, na Rádio Brasil Central.
E
foi cantando com ele, Brazão, que fiz a minha tão sonhada estréia, no rádio.
Rádio Brasil Central, domingo, de manhã. Auditório lotado. Quanta emoção, eu
senti. Estava se realizando, o primeiro, dos sonhos do menino de Campo Formoso.
Aqueles microfones, aquele auditório, e os aplausos que ouvi, após a nossa
cantiga, me mostraram algo que eu desconhecia, ou talvez não houvesse percebido
ainda, por não ter parado para pensar no assunto. Naquele dia, eu descobri a
importância da música, e o poder da comunicação na vida das pessoas. (p.18)
A dupla gravou um disco de acetato na Rádio
Difusora de Goiânia, que possuía uma máquina que fazia tal gravação, mas a
dupla não foi adiante, sendo desfeita três meses depois da formação.
Em 1958, ainda Braisito, para manter seu
sustento, formava duplas improvisadas para apresentações em parques de
diversões. Menciona que o cachê era irrisório e o palco era improvisado em cima
das bilheterias.
Determinado a vencer fazendo música, conheceu
o intérprete Marreco que procurava um parceiro. Largou seu apelido de Braisito
e formou uma nova dupla: Marreco e Marrequinho. Segundo ele, Marreco conseguia
ganhar dinheiro cantando, era filho de fazendeiros nascido e criado na roça.
A dupla fez várias “festas de fazenda” como o
autor mesmo diz: Nas
festas de fazendas em várias regiões do Estado de Goiás, Marreco e Marrequinho
(A Dupla do Momento) era presença obrigatória. (p. 28). Com tanto
sucesso, a dupla conquistou um programa na Rádio Clube de Goiânia chamado
Momento Sertanejo.
A dupla formada por Marrequinho segundo
relato do livro, mantinha um programa de rádio nessa mesma emissora e fazia as
apresentações nas terças, quintas e sábados das 12:00 as 12:30, horário
considerado nobre nas rádios de então.
As
duplas e trios sertanejos de Goiás tinham suas formas de faturar um cachê de
vez em quando, nas barracas de festas de Igrejas:
(...)
para dar uma força na ‘‘arrastada” de gente que ali comparecia para prestigiar
as "festas dos padres", como nós as chamávamos, e deixar algum
‘’cobre’’ nas barraquinhas da pescaria, dos bingos, dos refrigerantes, etc.
Dali, sempre levávamos alguma ‘’ajuda de custo’’. Quase nunca havia contrato
assinado. Era tudo na base da confiança. (p. 28)
Nesse
período em que faziam suas apresentações em pequenos palcos, as duplas sentiam
a necessidade de compor suas próprias músicas, sempre com a esperança e o
desejo de gravar um disco. José Eduardo Siqueira de Morais, nos apresenta em
seu texto essa informação;
Quando falamos da vitalidade da
música sertaneja goiana, mencionamos repertório próprio que os grupos
sertanejos têm, sem necessidade de recorrer a música de outros conjuntos.
(MORAIS, 1980, p. 217)
Percebemos
que a principal
temática era o sentimento romântico, mostrando os caminhos e os descaminhos dos
relacionamentos amorosos. Mas também havia temáticas diversas como a terra
querida da infância, a mãe, o pai e uma em especial, as composições dedicadas
às meretrizes, devido ao próprio envolvimento desses músicos boêmios com as
damas da noite. Enfim, os temas não se restringiam apenas ao romantismo tendo o
compositor dessa época uma única preocupação, extravasar seus sentimentos. E
assim foi com Marrequinho que sentiu a necessidade de compor suas primeiras
canções. Sua primeira canção foi um cururu[1]
intitulado Nossa Verdade, que
apresenta essa temática romântica.
NOSSA
VERDADE
Não podemos guardar em
segredo
Eu te peço me dar permissão
De me amar sei que tu não tem medo
Essa é a minha opinião
Lutaremos pelo nosso amor
E com Deus havemos de vencer
Por você, seja lá, onde for
Eu irei nosso amor defender
Sou feliz em você me amar
Mas, existe entre nós, outro alguém
Que faz tudo pra te conquistar
E você finge que lhe quer bem
Não machuque o seu coração
Conte a ele a nossa verdade
É por mim que tu sentes paixão
E por ele somente amizade
Eu sei que ele vai reconhecer
A sua grande sinceridade
E pra não ver mais, ele sofrer
Te confessaste toda verdade
E agora só resta um favor
Que ele ainda pode nos fazer
Não ter ódio de mim, nem rancor
E de ti para sempre esquecer[2].
A canção Nossa Verdade foi gravada
originalmente por Marreco e Marrequinho com dois violões executado pelos
próprios intérpretes e fazendo um dueto de cordas no ritmo cururu que, como já
vimos, é um ritmo indígena amplamente usado na música genuinamente caipira com
temáticas da roça. Porem aqui, esse ritmo é preenchido com uma temática
romântica onde ocorre um duelo amoroso entre dois homens pelo amor de mulher,
fato muito utilizados nas composições da época. Entretanto o que diferencia
essa letra é o fato do compositor respeitar o seu rival, mesmo sabendo que este
já estava derrotado. Outra característica desta composição e a metrificação dos
versos, e a utilização, do que era chamado na época, de rima dupla onde a rima
do primeiro verso é fechada no terceiro verso e a rima do segundo fechado no
quarto verso e assim por diante.
Essa primeira composição foi gravada
em um disco 78 Rpm da dupla Marreco e Marrequinho. Este tipo de disco foi muito
utilizado na primeira metade do século XX, sendo a única forma de armazenamento
de áudio na época.
Gravava-se o som em
de rolo de fita, fazia-se o acetato de alumínio revestido de cera de carnaúba,
levava ao banho de galvanoplastia, fazia-se a matriz e a prensa completava o
disco que era de 78 rpm (rotações por minuto), a tal “bolacha preta” de
ebonite, com duas músicas gravadas (lado A e lado B) Aparavam-se as rebarbas
numa cortadeira giratória, pregava-se o selo, um de cada lado, colocava-se na
capa com o “miolo” livre e embalava-os em caixas de papelão. (Ortêncio. 2005,
p. 93)
Somente mais tarde, a partir da década
de 50 foi criado o LP (Long Play), fabricado em PVC ou cloreto de polivinila, o
vinil, material plástico, mais resistente que os discos à base de cera de
carnaúba, porém ainda frágil e sujeito a imperfeições no áudio, caso
arranhando.
Gravado pela RCA VICTOR, na outra face
do disco estava uma composição também de Marrequinho com parceria de Sapezinho
e Ditinho de nome Passado de um Boêmio; gravação essa acompanhada por um dos
maiores sanfoneiro do rádio brasileiro: Mário Zan. Na RCA a dupla gravou mais
dois discos também 78. Bem relacionados no meio político de Goiás, eram sempre
incluídos como atração dos comícios dos candidatos; Os "cachês"
variavam, de acordo com o potencial financeiro do candidato. Levávamos alguns
"canos", é verdade, mas vivíamos situações gratificantes também. (p.
28)
Uma
delas foi o encontro com Juscelino Kubistcheck quando o mesmo foi
candidato a senador por Goiás. O autor revela admiração pelo político e
menciona alguns encontros com o mesmo em várias ocasiões e menciona que o
candidato gostava e muito de uma moda de viola.
É notável que Goiás, de certa maneira,
não vivenciou os dois primeiros momentos da música sertaneja citados no
primeiro capítulo, o caipira e o sertanejo raiz e se estabelece como o produtor
de uma música sertaneja já envolvida pela carga pejorativa do caipira. Os
compositores goianos, como Marrequinho, Ubirajara Moreira, Loirinho e outros
radicados em Goiás como Goiá, Ronaldo Adriano, preocupavam-se com a estética de
suas letras, evitando erros grosseiros de português, metrificando-as como se
fossem poesias em versos tradicionais musicadas.
E
em 1962 foi desfeita a dupla Marreco e Marrequinho, quando Marreco foi
convidado a trabalhar na Assembléia Legislativa, Marrequinho voltou a ser
boêmio e a freqüentar os ambientes onde se reunia a “confraria dos artistas”.
No
inicio da década de 60, Marrequinho já tinha conquistado prestígio em Goiás,
sendo conhecido como o “fazedor de moda”. Fez parcerias com Ubirajara Moreira
de Andrade e Alberito
Leocádio Caetano, conhecido como Letinho. Teve uma música gravada
pelo Trio da Vitória intitulada Meu Erro, composição essa que em parceria com
outros dois compositores teve uma grande
repercussão em Goiás. Nos
créditos da música ficou assim disposto: Marrequinho-Ubirajara Moreira-Venâncio.
[1] Dança
indígena cadenciada que foi adaptada à música caipira. Usada em desafios de
cantadores, posteriormente foi utilizada na música sertaneja, porem preenchida
com letras românticas mantendo somente o ritmo.
Continua...
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