segunda-feira, 22 de outubro de 2012

PESQUISA SOBRE A MÚSICA SERTANEJA – 6ª PARTE




Tese de Formatura. Curso de História. UFG. 

Francisco Ricardo de Souza Jr
                         (Chico Jr)







6ª PARTE


            Para entender o surgimento da primeira emissora de rádio em Goiás é necessário verificar inicialmente o contexto brasileiro. A chegada do rádio ao estado advém principalmente das políticas do governo federal dessa época.

            O foco do Estado nacional, nesse período, era integrar o território brasileiro para atender às necessidades expansionistas do capitalismo e a ordem era facilitar o desenvolvimento das indústrias no interior do Brasil. Nesse ponto, a construção de Brasília foi um fator determinante para Goiás entrar no mapa do desenvolvimento urbano e industrial nacional.
Dessa forma, as intenções do governo federal logo se fizeram sentir em Goiás, que conseguiu se desenvolver, mas precisou de força de trabalho de outros estados e países e com isso foram surgindo centros urbanos, formados por migrantes em várias regiões do estado.
A função do rádio, do ponto de vista estatal, era contribuir à sua maneira, para a formação da opinião pública, de um ambiente propício à efetivação dos interesses do Estado nacional. Então, em 1942 surgiu a primeira emissora de rádio de Goiás.
Nesse período, a mentalidade que tomava a cabeça de grande parte dos brasileiros era a de que estávamos muito próximos de nos tornarmos uma nação moderna.
Na consciência social da população formou-se uma imagem de progresso como sendo uma forma de estilo, de consumo e de vida. Nesse período, a música caipira também se dirige ao meio urbano. Acompanhando o progresso da nação, ela adquiria novas características, abandonando gradativamente os temas rurais e falando mais da vida na cidade grande, do êxodo e as dificuldades de adaptação do sertanejo.

A música sertaneja nesta época estava em sua fase de ouro. Segundo Nepomuceno, no apogeu dos programas de auditório (década de 50), a música sertaneja viveu seu período de glória. Gravadoras como a Columbia, Continental, Todamérica e a Chantecler estavam dispostas a por no mercado duplas que lhe rendessem vultuosos faturamentos. (BRITO, 2005, p. 10)

A Rádio Clube de Goiânia foi a primeira emissora de rádio do estado, cuja concessão foi dada por Getúlio Vargas. A programação recebeu uma tonalidade regional e semanalmente apresentava um programa destinado à música sertaneja, programa esse que reforçava a sociedade local, apresentando seus costumes e suas músicas – era a Hora Sertaneja.

A programação desta emissora recebeu uma tonalidade regional de forma que a cultura regional fosse determinante na comunicação veiculada. As músicas locais passaram a ser divulgadas na emissora, assim como cantores da região que apresentavam suas músicas ao vivo em programas de auditório; causos, piadas e novelas, veiculadas pelas principais emissoras do país (Rádio Nacional e Rádio Tupi) foram adaptadas à cultura goiana para serem veiculadas pela emissora; enfim, o seu perfil foi, de certa forma, adequado ao cotidiano de Goiás. Isso acabava criando no ouvinte uma sensação de afinidade com a emissora, o que, conseqüentemente, o atraia para ouvi-la constantemente. (MARQUES, p. 22)

Marques corrobora o texto de Marrequinho quando nos apresenta a informação de que cantores da região apresentavam sua música ao vivo em programas de auditório.
Assim, foi pelas ondas do rádio que os cantores goianos receberam o impulso que precisavam. Após a fundação da emissora, surgiram também as primeiras gravações, que Marrequinho acredita terem ocorrido entre 1955 e 1957. Percebemos assim que o rádio foi o impulso comercial que a música sertaneja goiana necessitava para atravessar as fronteiras do estado. Como Marrequinho mesmo diz em entrevista: “As emissoras é que eram o veículo que levavam esse trabalho até o público”.
O advento da rádio proporcionou a criação de um sentimento de união entre os cantores sertanejos que começaram a se organizar, tendo até, segundo Marrequinho uma associação fundada por Jorge Batista Ribeiro, conhecido no cenário artístico goiano como Zé Micuim.

Zé Micuim era um idealista extremado. Foi o idealizador da fundação de uma entidade de classe que foi denominada ‘União dos Artistas Sertanejos de Goiás’ (U.A.S.G.) Foi fundada no dia 07/01/58. A primeira, no Brasil (Fui sócio fundador e presidente dessa entidade, por dois mandatos, 1960/1961). (p. 15)

Sua iniciação, como diz Marrequinho, na confraria dos que queriam se tornar profissionais da violase deu com 17 anos, no bairro de Campinas, mais precisamente na Pensão da Dona Brasilina, com um violeiro cantador vindo de Minas Gerais, conhecido como Brazão, surgindo assim no cenário da musica sertaneja de Goiás a dupla Brazão e Braisito. Com essa dupla Marrequinho teve sua estréia no rádio, um programa de auditório, na Rádio Brasil Central.

E foi cantando com ele, Brazão, que fiz a minha tão sonhada estréia, no rádio. Rádio Brasil Central, domingo, de manhã. Auditório lotado. Quanta emoção, eu senti. Estava se realizando, o primeiro, dos sonhos do menino de Campo Formoso. Aqueles microfones, aquele auditório, e os aplausos que ouvi, após a nossa cantiga, me mostraram algo que eu desconhecia, ou talvez não houvesse percebido ainda, por não ter parado para pensar no assunto. Naquele dia, eu descobri a importância da música, e o poder da comunicação na vida das pessoas.  (p.18)

A dupla gravou um disco de acetato na Rádio Difusora de Goiânia, que possuía uma máquina que fazia tal gravação, mas a dupla não foi adiante, sendo desfeita três meses depois da formação.
Em 1958, ainda Braisito, para manter seu sustento, formava duplas improvisadas para apresentações em parques de diversões. Menciona que o cachê era irrisório e o palco era improvisado em cima das bilheterias. 
Determinado a vencer fazendo música, conheceu o intérprete Marreco que procurava um parceiro. Largou seu apelido de Braisito e formou uma nova dupla: Marreco e Marrequinho. Segundo ele, Marreco conseguia ganhar dinheiro cantando, era filho de fazendeiros nascido e criado na roça.
A dupla fez várias “festas de fazenda” como o autor mesmo diz: Nas festas de fazendas em várias regiões do Estado de Goiás, Marreco e Marrequinho (A Dupla do Momento) era presença obrigatória. (p. 28). Com tanto sucesso, a dupla conquistou um programa na Rádio Clube de Goiânia chamado Momento Sertanejo.
A dupla formada por Marrequinho segundo relato do livro, mantinha um programa de rádio nessa mesma emissora e fazia as apresentações nas terças, quintas e sábados das 12:00 as 12:30, horário considerado nobre nas rádios de então.
As duplas e trios sertanejos de Goiás tinham suas formas de faturar um cachê de vez em quando, nas barracas de festas de Igrejas:

(...) para dar uma força na ‘‘arrastada” de gente que ali comparecia para prestigiar as "festas dos padres", como nós as chamávamos, e deixar algum ‘’cobre’’ nas barraquinhas da pescaria, dos bingos, dos refrigerantes, etc. Dali, sempre levávamos alguma ‘’ajuda de custo’’. Quase nunca havia contrato assinado. Era tudo na base da confiança. (p. 28)
    

Nesse período em que faziam suas apresentações em pequenos palcos, as duplas sentiam a necessidade de compor suas próprias músicas, sempre com a esperança e o desejo de gravar um disco. José Eduardo Siqueira de Morais, nos apresenta em seu texto essa informação;

Quando falamos da vitalidade da música sertaneja goiana, mencionamos repertório próprio que os grupos sertanejos têm, sem necessidade de recorrer a música de outros conjuntos. (MORAIS, 1980, p. 217)

Percebemos que a principal temática era o sentimento romântico, mostrando os caminhos e os descaminhos dos relacionamentos amorosos. Mas também havia temáticas diversas como a terra querida da infância, a mãe, o pai e uma em especial, as composições dedicadas às meretrizes, devido ao próprio envolvimento desses músicos boêmios com as damas da noite. Enfim, os temas não se restringiam apenas ao romantismo tendo o compositor dessa época uma única preocupação, extravasar seus sentimentos. E assim foi com Marrequinho que sentiu a necessidade de compor suas primeiras canções. Sua primeira canção foi um cururu[1] intitulado Nossa Verdade, que apresenta essa temática romântica.

NOSSA VERDADE

Não podemos guardar em segredo
Eu te peço me dar permissão
De me amar sei que tu não tem medo
Essa é a minha opinião
Lutaremos pelo nosso amor
E com Deus havemos de vencer
Por você, seja lá, onde for
Eu irei nosso amor defender

Sou feliz em você me amar
Mas, existe entre nós, outro alguém
Que faz tudo pra te conquistar
E você finge que lhe quer bem
Não machuque o seu coração
Conte a ele a nossa verdade
É por mim que tu sentes paixão
E por ele somente amizade


Eu sei que ele vai reconhecer
A sua grande sinceridade
E pra não ver mais, ele sofrer
Te confessaste toda verdade
E agora só resta um favor
Que ele ainda pode nos fazer
Não ter ódio de mim, nem rancor
E de ti para sempre esquecer[2].
           
A canção Nossa Verdade foi gravada originalmente por Marreco e Marrequinho com dois violões executado pelos próprios intérpretes e fazendo um dueto de cordas no ritmo cururu que, como já vimos, é um ritmo indígena amplamente usado na música genuinamente caipira com temáticas da roça. Porem aqui, esse ritmo é preenchido com uma temática romântica onde ocorre um duelo amoroso entre dois homens pelo amor de mulher, fato muito utilizados nas composições da época. Entretanto o que diferencia essa letra é o fato do compositor respeitar o seu rival, mesmo sabendo que este já estava derrotado. Outra característica desta composição e a metrificação dos versos, e a utilização, do que era chamado na época, de rima dupla onde a rima do primeiro verso é fechada no terceiro verso e a rima do segundo fechado no quarto verso e assim por diante.
Essa primeira composição foi gravada em um disco 78 Rpm da dupla Marreco e Marrequinho. Este tipo de disco foi muito utilizado na primeira metade do século XX, sendo a única forma de armazenamento de áudio na época.

Gravava-se o som em de rolo de fita, fazia-se o acetato de alumínio revestido de cera de carnaúba, levava ao banho de galvanoplastia, fazia-se a matriz e a prensa completava o disco que era de 78 rpm (rotações por minuto), a tal “bolacha preta” de ebonite, com duas músicas gravadas (lado A e lado B) Aparavam-se as rebarbas numa cortadeira giratória, pregava-se o selo, um de cada lado, colocava-se na capa com o “miolo” livre e embalava-os em caixas de papelão. (Ortêncio. 2005, p. 93)

Somente mais tarde, a partir da década de 50 foi criado o LP (Long Play), fabricado em PVC ou cloreto de polivinila, o vinil, material plástico, mais resistente que os discos à base de cera de carnaúba, porém ainda frágil e sujeito a imperfeições no áudio, caso arranhando.
Gravado pela RCA VICTOR, na outra face do disco estava uma composição também de Marrequinho com parceria de Sapezinho e Ditinho de nome Passado de um Boêmio; gravação essa acompanhada por um dos maiores sanfoneiro do rádio brasileiro: Mário Zan. Na RCA a dupla gravou mais dois discos também 78. Bem relacionados no meio político de Goiás, eram sempre incluídos como atração dos comícios dos candidatos; Os "cachês" variavam, de acordo com o potencial financeiro do candidato. Levávamos alguns "canos", é verdade, mas vivíamos situações gratificantes também. (p. 28)
Uma delas foi o encontro com Juscelino Kubistcheck quando o mesmo foi candidato a senador por Goiás. O autor revela admiração pelo político e menciona alguns encontros com o mesmo em várias ocasiões e menciona que o candidato gostava e muito de uma moda de viola.
É notável que Goiás, de certa maneira, não vivenciou os dois primeiros momentos da música sertaneja citados no primeiro capítulo, o caipira e o sertanejo raiz e se estabelece como o produtor de uma música sertaneja já envolvida pela carga pejorativa do caipira. Os compositores goianos, como Marrequinho, Ubirajara Moreira, Loirinho e outros radicados em Goiás como Goiá, Ronaldo Adriano, preocupavam-se com a estética de suas letras, evitando erros grosseiros de português, metrificando-as como se fossem poesias em versos tradicionais musicadas.
            E em 1962 foi desfeita a dupla Marreco e Marrequinho, quando Marreco foi convidado a trabalhar na Assembléia Legislativa, Marrequinho voltou a ser boêmio e a freqüentar os ambientes onde se reunia a confraria dos artistas”.
            No inicio da década de 60, Marrequinho já tinha conquistado prestígio em Goiás, sendo conhecido como o “fazedor de moda”. Fez parcerias com Ubirajara Moreira de Andrade e Alberito Leocádio Caetano, conhecido como Letinho. Teve uma música gravada pelo Trio da Vitória intitulada Meu Erro, composição essa que em parceria com outros dois compositores  teve uma grande repercussão em Goiás. Nos créditos da música ficou assim disposto: Marrequinho-Ubirajara Moreira-Venâncio.


[1] Dança indígena cadenciada que foi adaptada à música caipira. Usada em desafios de cantadores, posteriormente foi utilizada na música sertaneja, porem preenchida com letras românticas mantendo somente o ritmo.
[2] Marreco e Marrequinho. RCA VICTOR: 1959 

                                 6ª Parte                                               
                                      Continua...

CONTATO  COM CHICO JR: (62) 84585052
E-mail: robsonechicojr@gmail.com



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