segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A MÚSICA SERTANEJA DE GOIÁS – 3ª PARTE













Francisco Ricardo de Souza Jr
                 (Chico Jr)



3ª PARTE
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1.1    Música Caipira ou Música Sertaneja?


Na época conhecida como música caipira, hoje denominado música sertaneja raiz, o gênero caracteriza-se pelas letras com ênfase no cotidiano e maneira de cantar. Tradicionalmente a música sertaneja é interpretada por um duo, geralmente de tenores, com voz nasal e uso acentuado de um falsete típico, com alta impedância e tensão vocais mesmos nos agudos que alcançam às vezes a extensão de soprano. (ULHÔA, 1993, p.1)

Já na fusão da música caipira com outros gêneros que originou a música sertaneja, “o estilo vocal se manteve relativamente estável, enquanto a instrumentação, ritmos e contorno melódico gradualmente incorporaram elementos estilísticos de gêneros disseminados pela indústria musical” (ULHÔA, 1993, p.1).
A Música Caipira ou Música Sertaneja Raiz é aquele que mantém os traços de sua origem que é uma musica cantada em dueto, normalmente com viola e violão de acompanhamento, cuja temática são as coisas do campo bem como as relações do homem do campo com a cidade e suas venturas e desventuras amorosas cantadas em melodias como o cururu, a toada, o pagode caipira, a moda de viola, etc.
Já a Música Sertaneja (Tronco), que nasceu da Música Caipira, utiliza-se todas as características supra citadas e acrescentam-se, ritmos jovens como o Balanço, a Balada, o Folk, a Guarânia, a Polca, dentre outros vários. Colocam-se letras voltadas a vida na cidade e suas controvérsias e a adapta cada vez mais ao mercado e seus moldes, ora no tempo de duração das músicas, ora na forma de se cantar, ora nas linhas de melodias e arranjos utilizados de acordo com a necessidade e tendências de mercado.
Sendo assim, opto, nesse trabalho, tratar a música em questão como Música Sertaneja (Tronco), não por considerá-la como uma nomenclatura “certa”, e sim por estar diretamente ligada ao período em que estamos tratando, década de 50 e 60 onde esse estilo estava ligado primeiramente as coisas do campo, mas também aos duetos e as dores e venturas do amor.
O processo de urbanização no Brasil foi fundamental para o surgimento da Música Sertaneja, com a promessa de que o progresso chegava na cidade dando melhores condições de vida aos seus moradores, assim começou a migração do homem do campo para a cidade: “Senão pela necessidade de trabalho, quando estouraram as crises do café, nos anos 30 e 40, por pura curiosidade, assuntando uma vida melhor pra ele e seus barrigudinhos” (Grifos do autor. NEPOMUCENO, 1999, p. 33). Contraria-se assim a perspectiva de Lobato em seus primeiros artigos, pois o matuto não ficou acocorado vendo o tempo passar, ele veio em direção ao “dito” progresso. E, com ele, veio a velha companheira dos bons momentos de festas e confraternizações, a viola.
            Nas duas primeiras décadas do século XX foi construído pela literatura o estereótipo do caipira, ora retratado como “galhofeiro”, abusando de sua “inocência” em contos e peças “caricaturais”, ora mostrando-o como “tristonho”, introspectivo, como reflexo da própria condição de vida que levava, como nos mostra Sousa (2005, p. 67). E é através desta segunda vertente que aparecerá no meio urbano a primeira composição caipira destinada ao consumo popular urbano.
            Em 1913 o violonista João Pernambuco se encontra com o poeta Catulo da Paixão Cearense e compõem o primeiro clássico da Música Caipira, a canção Luar do Sertão, que permeará a música popular e a Música Sertaneja Raiz ao longo de toda a história de ambas.
            Eram meados de 1918, Angelino de Oliveira recebe uma encomenda de uma música que retratasse o sertão. Este resolve dar nome à sua música de Tristeza do Jeca, atento ao personagem que Lobato estereotipou. Gravada pela primeira vez em 1926, receberá uma versão definitiva em 1937 “quando foi interpretada por Roque Ricciardi, o cantor Paraguassu” (SOUSA, 2005, p. 67). Esta composição de Angelino conseguiu fazer uma síntese do universo caipira como poucas outras canções conseguiram, tornando-se uma espécie de hino, gravada e re-gravada dezenas de vezes e por diversos artistas ao longo de toda a história da Música Caipira. Assim, a música de Angelino “acabou sendo compreendida como uma resposta genuína do próprio caboclo à polêmica inaugurada por Monteiro Lobato” (SOUSA, 2005, p. 68) embora ela tenha sido composta como toada e não como legítima moda-de-viola, ou seja, já nos moldes a satisfazer a indústria fonográfica, contendo cerca de três minutos para caber nos discos de 78 rpm, que só possibilitavam esse tempo médio de gravação em cada lado.
Aliás, essa é uma das primeiras imposições da indústria fonográfica, ou seja, o tempo das músicas não deveria passar de três minutos para que elas coubessem nos discos. Assim surge a primeira descaracterização da música genuinamente caipira, que era cantada em longos trechos seja no roçado, seja nas festanças, seja nos eventos religiosos.
Outros fatores influenciaram a descaracterização da música caipira e a adaptação desta à nova realidade urbana. Um deles foi a chegada do rádio ao Brasil. Utilizada pela primeira vez a radiofreqüência na festa do centenário da Independência brasileira em 1922, pelo então presidente Epitácio Pessoa, teve na figura do antropólogo Edgard de Roquette-Pinto o fundador da primeira rádio brasileira instalada no Rio de Janeiro em 1923, como atesta Walter de Sousa (2005, p. 77)
Neste cenário, teremos o caipira trazido para a cidade com a finalidade de reproduzir comercialmente as músicas cantadas na roça com a mesma interpretação rústica que os artistas natos tinham-nas construído. Essa música foi comercializada como sátiras e o principal motivador desse movimento foi Cornélio Pires que promoveu a primeira gravação caipira em 1929 através da Turma do Cornélio Pires. Esta contava com várias duplas interioranas paulistas, entre elas Zico Dias e Ferrinho, os irmãos Caçula e Mariano, Arlindo Santana e Sebastiãozinho, Lourenço e Olegário, entre outros.            
Cornélio Pires foi o primeiro comerciante do universo caipira, utilizando como produto o próprio caipira. Para isso, como um bom vendedor, ele teria que conhecer a fundo o seu produto e assim o fez. “Escreveu livros, fez palestras e representou roceiros em monólogos criados por ele” (NEPOMUCENO, 1999, p. 101). Conhecia como ninguém o universo do caipira por ser ele próprio um interiorano nascido na cidade de Tietê-SP. Mesmo assim pesquisou, estudou e percebeu ser este um filão comercial de grande potencial e ainda não explorado no país. Depois de levar uma vida boêmia, sempre próxima aos cantadores e poetas de cada cidade por onde passava, em 1910, depois de passar por várias ocupações, entre elas até professor de educação física, promoveu um evento no Colégio Mackenzie (SP) que teve uma grande repercussão, era uma representação de um velório caipira. A partir desse evento, Pires percebe que pode estar aí o meio de levar a vida.
Ao contrário do que fez Lobato, Cornélio Pires buscou mostrar os encantos do caipira para o citadino. Pires ganhou respeito no meio intelectual paulista, pois seus livros vendiam bem, livros estes de “poesia, contos, pesquisa sobre a música, linguagem e anedotas caipiras”. (NEPOMUCENO, 1999, p. 102)
O início do século XX marca a tentativa do meio urbano em construir a identidade da cultura nacional. Segundo Sousa:

[...] a primeira década e meia do século repetiu as características culturais que predominavam no século XIX, com os ritmos europeus sendo dançados nos salões, a música brasileira passa a se modernizar no período seguinte, de 1917 a 1929. O advento do samba, da marcha e do choro, manifestações nascidas da cozedura dos ritmos da mestiçagem nacional, faz surgir um período de maior elaboração musical, [...]. É o período em que as gravações elétricas chegam ao país juntamente com o rádio e o cinema falado. E é quando o cenário se torna propício a novas transformações de identidades musicais, como a caipira, por exemplo (SOUSA, 2005, p. 83)

Aproveitando-se do momento ufanista que se formava no Brasil a partir de 1917, como nos afirma Sousa, quando as produções literárias, musicais e teatrais se inspiravam no Brasil rural para divertir os citadinos, Cornélio Pires perceberá que músicos urbanos estavam cantando músicas que falavam sobre o universo caipira. Entre esses cantores destaca-se “o paulistano Paraguassú que reinava na Rádio Educadora paulista com um repertório de inspiração rural [...] e Francisco Alves, ‘O REI da VOZ’ – que gravou 983 discos” (NEPOMUCENO, 1999, p. 104-109) entre eles gravou a toada Chuá Chuá. Como se não bastasse, no devir das primeiras décadas do século XX, há uma invasão em São Paulo e no Rio de Janeiro de artistas do sertão nordestino que ganham grande destaque fazendo músicas e interpretando o sertanejo nordestino.
A primeira dupla caipira a aparecer no cenário musical da época foi Jararaca e Ratinho, embora não fossem do corredor bandeirante e não tocassem viola, sendo oriundos do grupo de música nordestina Os Turunas, formaram a dupla em 1927 e foram legítimos representantes da cultura caipira. Passaram a se apresentar no sul e sudeste brasileiro, mantendo a dupla até 1972, ano da morte de Ratinho. Suas apresentações eram sempre intercaladas com encenações teatrais, aliás, essa é uma característica do período aplicável a todos os artistas populares que se destacaram.
Cornélio Pires passa a acreditar que poderia também trazer o sertanejo caipira para a cidade, pois “se os nordestinos chegavam do fim-do-mundo e estavam nos palcos, o artista da roça tinha que largar a porta da venda, o palquinho de quermesse e também vir mostrar que podia brilhar nos estúdios e casas de espetáculo” (NEPOMUCENO, 1999, p. 109).
Logicamente esta sendo uma idéia inovadora, causou grande estranhamento, principalmente na gravadora que Cornélio Pires procurou. No entanto, Pires bancou a gravação dos primeiros seis discos em Maio de 1929, quando formou a Turma Cornélio Pires, com a tiragem de 5.000 unidades cada um, totalizando 30.000 discos, e saiu a vender em espetáculos, circos, quermesses. Enfim, foi um sucesso. A partir daí, as portas da gravadora Columbia estavam abertas para Cornélio e sua turma. “A Columbia prensou outros quarenta e três discos até inicio de 1931” (NEPOMUCENO, 1999, p. 110). Percebendo o grande mercado que existia, não só a Columbia passou a investir na música caipira, mas também a RCA Victor que criou sua turma de caipiras lideradas por Lourenço e Olegário, que passariam a se chamar Mandi e Sorocabinha.
Os anos trinta consolidaram a expressão cultural caipira na cidade. Grandes nomes da música popular, que ainda se deleitavam com a temática rural, iriam dividir os mesmos espaços com o cantor caipira. Locais como o Cassino da Urca e o teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, tinham em seu seus espetáculos artistas caipiras como “Alvarenga e Ranchinho, Jararaca e Ratinho, Capitão Furtado, Raul Torres e João Pacífico que circulavam com desenvoltura pelos bons lugares da cidade de Mário Reis e Noel Rosa, integrando o elenco da gravadora mais protegida da época, a Odeon.” (NEPOMUCENO, 1999, p. 117).
“Ari Barroso e o carioca Lamartine Babo, em 1930 assinaram a parceira de um clássico, ‘No Rancho Fundo’” (NEPOMUCENO, 1999, p. 110), que se tornaria outro hino da Música Caipira.
O termo “sertanejo” começaria a ser utilizado para definir toda a música feita pelo interiorano, seja caipira, seja nordestino, substituindo de vez termo pejorativo “caipira”. As primeiras duplas se consolidariam após um grande revezamento de parceiros.
Cornélio Pires continuava com grande prestígio, principalmente após receber o patrocínio do Guaraná Antarctica para que ele usasse boné e falasse de seus produtos nos shows pelo interior.
Surge outra figura importante no cenário caipira, Ariovaldo Pires, sobrinho de Cornélio, (mas que prefere não ter comparações com o tio), utilizando o pseudônimo de Capitão Furtado. Este terá uma grande participação na disseminação da Música Sertaneja e lançará muitos nomes importantes como Alvarenga e Ranchinho e Tonico e Tinoco. Os primeiros já cantavam na noite paulistana, tentando achar uma brecha para ganhar uns trocados, quando foram convidados por Capitão Furtado para fazerem o papel de caipiras no filme “Fazendo Fita” de 1935, substituindo os artistas principais Caçula e Mariano. A partir daí passaram a fazer apresentações cômicas satirizando temas como a política, a modernice da capital com o divórcio, o trânsito, os arranhas céus (de dez andares) por exemplo, chegando inclusive a fazer uma apresentação memorável dentro do Palácio das Laranjeiras ao próprio Getúlio Vargas, que a partir de então os libera para fazer suas sátiras em todo o território nacional, como nos afirma Sousa (2005, p. 108).
Esse período marcou também uma forte exploração de toda a arte anônima que era produzida na roça. Como ninguém conhecia seus compositores, aqueles que primeiro as registrassem passavam a ser seus donos. Também no cinema, o mundo sertanejo passou a ser muito explorado e com a certeza de público garantido já que o assunto atraia a curiosidade dos citadinos e satisfazia os capiaus que se viam na tela.
É então nesse período tão conturbado da política brasileira no final dos anos 20 e início dos anos 30 do século passado:

que começa a emergir um tipo de nacionalismo populista que, em termos de formalização de uma cultura urbana, vai buscar legitimação na essência das culturas populares. Tudo, é claro, a serviço de um poder político elitista, que busca legitimidade na base popular. Esse processo coincide com a consolidação no país da tecnologia de reprodução cultural em que se incluem o rádio e a indústria fonográfica. (SOUSA, 2005, p. 93)

Depois que Getúlio Vargas decretou que as rádios passariam a ser comerciais em 1932, como nos mostra Walter de Sousa (2005, p. 91) ocorreu o grande momento do rádio no Brasil. Emissoras nasciam da noite para o dia, em São Paulo, Rio de Janeiro e em algumas cidades do interior. Esse fator certamente influenciou na melhoria técnica das gravações, mas também concluiu o engessamento da música caipira, para que esta coubesse dentro do tempo dos programas que já adotavam caráter comercial e buscavam artistas populares para que os ouvintes ficassem sempre ligados na programação artística e nos comerciais.

Cantores e apresentadores transitavam pelas mais prestigiadas, por bons salários, cumprindo assim um circuito que passava pela Educadora, a Kósmos, a Record e a Bandeirante, em São Paulo. No Rio, pela Mayrink Veiga e a Nacional. A Cruzeiro do Sul e a Tupi que possuíam estúdios nas duas cidades (NEPOMUCENO, 1999, p. 120).

3ª PARTE
Continua...

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