Capítulo
L
Marrequinho:
Um Guardador de Saudades
(Último Capítulo do livro)
Marrequinho - O Menino de Campo Formoso
Memórias de um artista sertanejo
Pressinto
que a morte está rondando os meus passos. Tenho a nítida impressão de que ela
me espreita sorrateiramente por uma fresta da janela do tempo. Ela (a morte) já
levou muitas pessoas que amei. Pessoas com as quais convivi e com a quais
compartilhei trechos dessa minha vida mesclada com diversos matizes.
Dos
filhos do lavrador mineiro Onofre Ricardo e da sertaneja goiana Maria Rosa
restam apenas três: O José Ricardo (Zequita), a irmã Helena e eu. E fica uma
pergunta no ar: Qual de nós três será o próximo?
Perdi
meus pais, perdi irmãos (cinco) e perdi companheiros e companheiras de tantas
jornadas. Sou um homem que muito amou, mas, assim procedendo, também muito
sofri. Afianço, porém, que aquele que guarda saudade é porque usufruiu de
afetos, momentos bons, fragmentos de felicidade que ficaram depositados no
arquivo de sua mente saudosa.
Pobre
daquele que passou pela vida sem ter tido a oportunidade de sentir emoções que
justificassem a conservação de lembranças e saudades. Felizmente, desse mal,
não me queixo. E são exatamente as saudades e as lembranças do que tive, do que
senti, do que fiz e do que fui que garantem hoje a sustentação da estrutura
emocional desse velho artista sertanejo.
Quando
deixei minha terra natal, eu era ainda muito criança (sete anos). Mesmo assim,
conservo vivas em minha mente, cinco lembranças distintas, de Orizona –GO (Campo
Formoso) que foi o berço da minha infância.
1) Lembro-me da Igreja (Católica), na
praça central, onde fui batizado e tempos depois recebi a honraria de exercer o
cargo de coroinha, do Padre Trindade, figura austera e imponente, a quem eu
admirava profundamente. Exerci também, a função de sineiro substituto.
Sentia-me importante em demasia, quando o Maurício (colega de infância, do qual
me lembro bem) sineiro oficial, da igrejinha, me escalava para que o
substituísse naquela honrosa tarefa de repicar os sinos (eram dois), convidando
os fieis para a missa ou para a novena que seria celebrada.
2)
Lembro-me do coreto,
em frente à igreja, onde todas as tardes a meninada se agitava no corre-corre
de brincadeiras diversas. Dos colegas da minha infância, meus preferidos eram o
Maurício, o Xexé e o Divino preto (por onde andarão?).
O coreto também servia de palco onde a
pequena banda de música local, se apresentava periodicamente. Eu esbanjava
contentamento vendo e ouvindo aqueles instrumentos reluzentes, sendo executados
pelos músicos que compunham a nossa "bandinha" formada por
Baixo-Tuba, Pistom, Trombone, Saxofone, Clarineta, Pratos e naturalmente, um
Bumbo. A banda tocava animadas Marchinhas, fogosos Maxixes, Dobrados e, de vez em quando, para agradar os
saudosistas executava uma dolente Valsa. Ah! Como eu gostaria de voltar a ser
criança para ver e ouvir aquela "bandinha" tocar novamente.
3) Lembro-me do Açude, formado no pequeno
ribeirão, onde se construiu uma barragem que represava a água criando volume
suficiente para que desembocasse com a pressão necessária no canal que a
levaria até as turbinas da pequena usina que gerava energia elétrica com a qual
a cidade era abastecida. Aquele açude era também o poço de banho da molecada e
de parte da rapaziada da nossa pequenina Orizona. Foi lá que aprendi a nadar, à
custa de uns dois ou três afogamentos quase fatais.
4) Lembro-me do Pé de Óleo, uma árvore
frondosa que sombreava a esquina formada pela rua que vinha desde o Fórum,
passando pela porta do Correio, beirava a casa da D. Zulmira (madrinha de uma
de minhas irmãs) passava pelo lateral direito da praça e seguia até onde ficava
a última rua da pequena cidade, e, da outra rua que formava o cruzamento
propriamente dito, rua essa que vinha do centro, passava em frente à venda do
Honório Cardoso e seguia em direção a estrada que levava a fazenda do Pedro
Vaz, e também a fazenda Capim, que fora de propriedade da minha avó Germana,
mãe da minha mãe. A sombra produzida pela copada daquela imponente e secular
árvore me abrigou muitas vezes, do calor abrasador nas tardes de mormaço e, foi
também testemunha do que acredito ter sido o meu primeiro sonho de amor. Amor
dos sete anos, mas, amor.
5) Lembro-me da menina de cabelos longos
castanhos e brilhantes, tão brilhantes como ficavam seus olhos, quando olhavam
para mim, depois ela os baixava, encabulada, na inocência de quem ainda não
havia percebido que sua presença fazia com que meus lábios silenciassem e eu me
escondesse bem escondido dentro da minha timidez. Ela apenas me olhava e
sorria. Não cheguei a descobrir se aqueles sorrisos demonstravam alegria por me
ver, ou se eram sorrisos de zombaria, de pouco caso, como querendo mostrar-me a
diferença dos mundos em que vivíamos. A sua família era muito rica, para os
padrões da época. Eu era (e sou) muito pobre para os padrões de todas as
épocas. Mas, a lembrança daquele rosto angelical, daquele sorriso meigo,
daquela ingenuidade autêntica e daquela provocação inconsciente vive comigo até
hoje, me fazendo acreditar que as chamas de um verdadeiro amor, são perenes,
não se apagam nunca.
Encerrando
essas minhas reflexões sobre lembranças, saudades, amor e felicidade vou
sintetizar o assunto aproveitando parte de uma composição minha e do Ubirajara
Moreira, intitulada: Caminhos.
Escrevi uns versos, assim:
"... Não posso
falar de amores
Que amores não tenho
mais
Mas posso falar das
dores
Que a saudade me traz
Amor e felicidade
Têm aparências iguais
E são miragens, no
tempo
Que o próprio tempo
desfaz...”
E,
o poeta Ubirajara, filosoficamente complementou assim:
"Amores passam, mas
deixam
Caminhos, n'alma da
gente
Por onde a cruel saudade
Caminha
constantemente".
FIM
Goiânia, 09/2008
? / Marrequinho
/ frs
"CAMPO FORMOSO" - Fleury Rodrigues (Em Duas Vozes)
Composição de Marrequinho e Fleury
E-mail: marrequinhocompositor@hotmail.com
Facebook: http://www.facebook.com/franciscoricardomarrequinho?ref=tn_tnmn
Youtube: http://www.youtube.com/user/Franciscomarrequinho?
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