quinta-feira, 27 de junho de 2013

MAREQUINHO - UM GUARDADOR DE SAUDADES




Capítulo L
Marrequinho: Um Guardador de Saudades
(Último Capítulo do livro)





Marrequinho - O Menino de Campo Formoso
Memórias de um artista sertanejo



Pressinto que a morte está rondando os meus passos. Tenho a nítida impressão de que ela me espreita sorrateiramente por uma fresta da janela do tempo. Ela (a morte) já levou muitas pessoas que amei. Pessoas com as quais convivi e com a quais compartilhei trechos dessa minha vida mesclada com diversos matizes.

Dos filhos do lavrador mineiro Onofre Ricardo e da sertaneja goiana Maria Rosa restam apenas três: O José Ricardo (Zequita), a irmã Helena e eu. E fica uma pergunta no ar: Qual de nós três será o próximo? 

Perdi meus pais, perdi irmãos (cinco) e perdi companheiros e companheiras de tantas jornadas. Sou um homem que muito amou, mas, assim procedendo, também muito sofri. Afianço, porém, que aquele que guarda saudade é porque usufruiu de afetos, momentos bons, fragmentos de felicidade que ficaram depositados no arquivo de sua mente saudosa.
Pobre daquele que passou pela vida sem ter tido a oportunidade de sentir emoções que justificassem a conservação de lembranças e saudades. Felizmente, desse mal, não me queixo. E são exatamente as saudades e as lembranças do que tive, do que senti, do que fiz e do que fui que garantem hoje a sustentação da estrutura emocional desse velho artista sertanejo.
Quando deixei minha terra natal, eu era ainda muito criança (sete anos). Mesmo assim, conservo vivas em minha mente, cinco lembranças distintas, de Orizona –GO (Campo Formoso) que foi o berço da minha infância.

1) Lembro-me da Igreja (Católica), na praça central, onde fui batizado e tempos depois recebi a honraria de exercer o cargo de coroinha, do Padre Trindade, figura austera e imponente, a quem eu admirava profundamente. Exerci também, a função de sineiro substituto. Sentia-me importante em demasia, quando o Maurício (colega de infância, do qual me lembro bem) sineiro oficial, da igrejinha, me escalava para que o substituísse naquela honrosa tarefa de repicar os sinos (eram dois), convidando os fieis para a missa ou para a novena que seria celebrada.                                                 

2) Lembro-me do coreto, em frente à igreja, onde todas as tardes a meninada se agitava no corre-corre de brincadeiras diversas. Dos colegas da minha infância, meus preferidos eram o Maurício, o Xexé e o Divino preto (por onde andarão?).
O coreto também servia de palco onde a pequena banda de música local, se apresentava periodicamente. Eu esbanjava contentamento vendo e ouvindo aqueles instrumentos reluzentes, sendo executados pelos músicos que compunham a nossa "bandinha" formada por Baixo-Tuba, Pistom, Trombone, Saxofone, Clarineta, Pratos e naturalmente, um Bumbo. A banda tocava animadas Marchinhas, fogosos Maxixes,  Dobrados e, de vez em quando, para agradar os saudosistas executava uma dolente Valsa. Ah! Como eu gostaria de voltar a ser criança para ver e ouvir aquela "bandinha" tocar novamente.
       
3) Lembro-me do Açude, formado no pequeno ribeirão, onde se construiu uma barragem que represava a água criando volume suficiente para que desembocasse com a pressão necessária no canal que a levaria até as turbinas da pequena usina que gerava energia elétrica com a qual a cidade era abastecida. Aquele açude era também o poço de banho da molecada e de parte da rapaziada da nossa pequenina Orizona. Foi lá que aprendi a nadar, à custa de uns dois ou três afogamentos quase fatais.

4) Lembro-me do Pé de Óleo, uma árvore frondosa que sombreava a esquina formada pela rua que vinha desde o Fórum, passando pela porta do Correio, beirava a casa da D. Zulmira (madrinha de uma de minhas irmãs) passava pelo lateral direito da praça e seguia até onde ficava a última rua da pequena cidade, e, da outra rua que formava o cruzamento propriamente dito, rua essa que vinha do centro, passava em frente à venda do Honório Cardoso e seguia em direção a estrada que levava a fazenda do Pedro Vaz, e também a fazenda Capim, que fora de propriedade da minha avó Germana, mãe da minha mãe. A sombra produzida pela copada daquela imponente e secular árvore me abrigou muitas vezes, do calor abrasador nas tardes de mormaço e, foi também testemunha do que acredito ter sido o meu primeiro sonho de amor. Amor dos sete anos, mas, amor.

5) Lembro-me da menina de cabelos longos castanhos e brilhantes, tão brilhantes como ficavam seus olhos, quando olhavam para mim, depois ela os baixava, encabulada, na inocência de quem ainda não havia percebido que sua presença fazia com que meus lábios silenciassem e eu me escondesse bem escondido dentro da minha timidez. Ela apenas me olhava e sorria. Não cheguei a descobrir se aqueles sorrisos demonstravam alegria por me ver, ou se eram sorrisos de zombaria, de pouco caso, como querendo mostrar-me a diferença dos mundos em que vivíamos. A sua família era muito rica, para os padrões da época. Eu era (e sou) muito pobre para os padrões de todas as épocas. Mas, a lembrança daquele rosto angelical, daquele sorriso meigo, daquela ingenuidade autêntica e daquela provocação inconsciente vive comigo até hoje, me fazendo acreditar que as chamas de um verdadeiro amor, são perenes, não se apagam nunca.

Encerrando essas minhas reflexões sobre lembranças, saudades, amor e felicidade vou sintetizar o assunto aproveitando parte de uma composição minha e do Ubirajara Moreira, intitulada: Caminhos. Escrevi uns versos, assim:

"... Não posso falar de amores 
Que amores não tenho mais
Mas posso falar das dores
Que a saudade me traz
Amor e felicidade
Têm aparências iguais
E são miragens, no tempo 
Que o próprio tempo desfaz...”

E, o poeta Ubirajara, filosoficamente complementou assim:

"Amores passam, mas deixam 
Caminhos, n'alma da gente 
Por onde a cruel saudade
Caminha constantemente".    

FIM
               
            Goiânia, 09/2008    
      
? / Marrequinho / frs


                                                                      

                   "CAMPO FORMOSO" - Fleury Rodrigues (Em Duas Vozes)
               Composição de Marrequinho e Fleury


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